Os recursos minerais historicamente têm caráter estratégico para as nações espalhadas no mundo, o que as leva a regulamentar com bastante interesse o regramento acerca da sua propriedade e exploração. Segundo Athias (2020)[1] um número extremamente reduzido de países permite a apropriação privada dos recursos minerais, sendo que a maioria opta por um modelo onde a exploração é realizada pelo ente público ou através da sua permissão para uma exploração por ente privado.
Repousa neste papel estratégico a importância dos regimes de propriedade dos recursos minerais. Observa-se quatro tipos distintos: Regime Regaliano[2], de Acessão, res nullius e Dominial. Destes, o único que não foi aplicado no Brasil, segundo a maioria dos juristas, é o res nullius. Nele preconiza-se que um corpo mineral (jazida) ainda não prospectado e nem requerido, ou seja, totalmente desconhecido, não pertence a ninguém e ao seu descobridor ou descobridora é atribuído o direito de exploração.
Regime Regaliano
Escapa aos limites deste artigo uma discussão aprofundada acerca das ordenações portuguesas que regularam a exploração mineral nos primeiros séculos do Brasil colonial, para os objetivos aqui apresentados é suficiente uma breve abordagem sobre o regime de propriedade Regaliano.
Durante todo o período colonial e imperial o regime em vigor foi o Regaliano, o que atribuía a propriedade dos recursos minerais à Coroa Portuguesa, as jazidas eram do Rei ou Rainha de Portugal, desse modo, os direitos de propriedade do bem mineral eram exercidos pela Coroa, sendo esta a empreendedora da mina, ou um particular, mediante uma concessão do soberano, ou até mesmo, através de doação, venda ou arrendamento.
Outro aspecto histórico relevante a época, era a teoria econômica metalista[3], a qual preconizava que o valor do dinheiro derivava do metal o qual era impresso (ouro, prata ou outros metais), desta forma, a riqueza de um país estava diretamente ligada à quantidade de metais preciosos que ele possuía, o que realçava mais ainda a importância da acumulação de ouro e prata para o crescimento econômico de uma nação, que podiam ser usados para financiar o comércio exterior, construir reservas cambiais e promover a estabilidade econômica. Assim, as minas de ouro, prata e outros minerais preciosos eram estratégicas para as monarquias europeias o que reforçou o amplo uso do regime regaliano no período colonial brasileiro e em seguida durante o império.
Nota-se uma separação neste regime entre a propriedade sobre os recursos minerais contidos no subsolo e a propriedade do solo, podendo esta ser atribuída a um particular mesmo que estivesse sobre uma jazida pertencente ao soberano.
Segundo Scaff (2021)[4], a Coroa portuguesa cobrava em benefício ao Real Erário o chamado “quinto”, que representava 20% sobre o valor bruto da riqueza mineral explorada no subsolo brasileiro, na época sob domínio português. Segundo Ribeiro (2006), esse valor foi reduzido para o dízimo (10%), a partir do alvará de 13 de maio de 1803. Alguns autores classificam o período colonial como a primeira fase do regime Regaliano sobre a propriedade dos recursos minerais no Brasil.
Em relação ao início do Regime de Acessão no país, existe um entendimento difuso encontrado na literatura. Ribeiro (2006)[5] e Feigelson et al (2023)[6] argumentam que após a independência, a lei de 20 de outubro de 1823 ratificou o Regime Regaliano, sendo que a Constituição de 1824 – a primeira do Brasil independente – rompeu com tal regime quando garantiu a propriedade em toda a sua plenitude, para os autores, a propriedade minerária passou a integrar a propriedade do solo, o que inaugurou o Regime de Acessão no Brasil. Ribeiro (2006) reforça essa ideia citando o Decreto de 27 de janeiro de 1829, o qual reconhecia o direito da realização de pesquisa mineral aos proprietários do solo.
Athias (2020, p. 59) aponta que a Constituição de 1824 silenciou “sobre a possibilidade de um indivíduo ser dono das minas e jazidas no País, suscitando um debate sobre propriedade pública ou privada”. Para Calógeras (1905)[7], esta lacuna gerou inquietação na época, pois a expectativa era uma abolição ampla da legislação portuguesa, com uma superveniente substituição por um normativo nacional, e que no caso em particular das minas, previsse um novo regime de propriedade, retirando a regalia da Coroa sobre as jazidas.
No entanto, esta expectativa não foi atendida, diversos autores apontam que prevaleceu o entendimento que a propriedade sobre os recursos minerais continuava um privilégio real, agora não da Coroa Portuguesa, mas da Casa Imperial Brasileira, assim manteve-se o Regime Regaliano, ignorando a propriedade privada sobre tais bens (Calógeras, 1905; Athias, 2020; Scaff, 2021). Assim, a Constituição de 1824 inaugura a “segunda fase do regime regaliano” (Athias, 2020, p. 60).
Na próxima coluna abordaremos o Regime de Acessão. Até lá e abraços!!!
OBS. Este artigo é baseado em um trabalho por mim publicado na Revista Científica “Contribuciones a Las Ciencias Sociales. O artigo cientifico completo pode ser acessado pelo link: https://ojs.revistacontribuciones.com/ojs/index.php/clcs/article/view/3440 ou pelo DOI: https://doi.org/10.55905/revconv.17n.1-046
[1] ATHIAS, Daniel Tobias. Regulação e royalties de minério e petróleo: análise comparativa Brasil e Estados Unidos. São Paulo: Editora D´Plácido, 2020.
[2] A palavra “Regaliano” remete ao vocábulo “regalia” que significa o direito inerente à realeza ou privilégio real.
[3] O termo “metalismo” foi cunhado por Georg Friedrich Knapp (1842-1926) economista alemão conhecido por suas contribuições para a teoria monetária. Ele desenvolveu a teoria do “chartalismo” ou “teoria da moeda estatal”, teoria esta antimetalista, que argumenta que o valor da moeda não é intrinsecamente ligado a qualquer substância física (como ouro ou prata), mas é, em vez disso, derivado da aceitação da moeda pelo governo como meio de pagamento para impostos e outras obrigações.
[4] SCAFF, Fernando Facury. Royalties do petróleo, mineração e energia: aspectos constitucionais, financeiros e tributários. 2ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2021.
[5] RIBEIRO, Carlos Luiz. Direito Minerário: escrito e aplicado. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
[6] FEIGELSON, Bruno. SOUZA, Bernardo. COSTA, Thiago. Curso de Direito Minerário. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2023.
[7] CALÓGERAS, João Pandiá. As minas do Brasil e sua legislação. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1905.