Antônio Venâncio e os Xikrin do Cateté: uma relação de respeito, história e transformação

Na região sudeste do estado do Pará, Venâncio é um nome conhecido por quem acompanhou de perto a construção das relações entre a então Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale) e os Xikrin da Terra Indígena Cateté.


Hoje, 19 de abril, o Brasil celebra o Dia dos Povos Indígenas. Uma data para lembrar, com orgulho e respeito, a resistência, a cultura e a sabedoria dos primeiros povos desta terra. Mas também uma oportunidade para reconhecer aqueles que, ao longo dos anos, se colocaram como pontes — firmes e humanas — entre mundos distintos, como fez Antônio Carlos de Lima Venâncio.

Na região sudeste do estado do Pará, Venâncio é um nome conhecido por quem acompanhou de perto a construção das relações entre a então Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale) e os Xikrin da Terra Indígena Cateté. Um vínculo que começou ainda em 1978, quando ele teve seu primeiro contato com a comunidade indígena, durante os trabalhos da Docegeo — braço de pesquisa geológica da Vale — em um acampamento na localidade chamada Caldeirão, às margens do rio Itacaiúnas.

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Mais do que observador, Venâncio logo se tornou participante ativo de uma história que o marcaria para sempre. Em 1990, ao ser transferido para Carajás, passou a conduzir oficialmente as relações institucionais entre a mineradora e os Xikrin do Cateté. Foram 20 anos de dedicação direta à causa indígena — um trabalho feito com presença constante, escuta sensível e respeito genuíno.

Durante esse tempo, esteve à frente de ações voltadas à saúde, educação, infraestrutura e atividades produtivas nas aldeias. Mas seu papel ia muito além da técnica. Era de confiança, de diálogo e de equilíbrio. Isso se refletia nas negociações sensíveis e constantes em torno dos termos de compromisso entre a mineradora e os Xikrin.

“Tudo era tratado com muito respeito. Os caciques sempre me receberam com dignidade e eu sempre fiz questão de retribuir com verdade e responsabilidade”, afirma Venâncio.

Cacique Bemoti Xikrin(in memoriam) Venâncio e Cacique Botiê Xikrin

Naquela época, os principais líderes com quem ele mantinha diálogo direto eram caciques históricos: Bemoti Xikrin(in memoriam), pai de Bep Karoti, e Botiê, pai de Karangré — guerreiros de liderança firme, sabedoria ancestral e profundo compromisso com o futuro de seu povo. “Eles sabiam o que queriam. Eram líderes fortes, íntegros. Aprendi demais com eles.”

Entre as lembranças marcantes, uma se destaca com emoção e respeito: a participação em um cerimonial tradicional, em que os indígenas transportam até a aldeia uma árvore de babaçu inteira, só retiravam a copa da árvore. O ato simbólico representava trazer o “inimigo” para dentro da aldeia. Mais de 20 guerreiros carregavam a imensa tora, mas, no momento em que foram erguer a árvore para prosseguir o percurso, o peso foi além do esperado e a tora caiu sobre o tornozelo de Venâncio, provocando uma fratura séria. Ele foi imediatamente levado ao hospital de Carajás, onde recebeu atendimento. “Apesar da dor, guardo esse momento com muito respeito. Foi um gesto de confiança eles me permitirem participar”, relembra.

Comemorando o dia dos povos idíginas em 1996 em Paraupebas

Hoje, os Xikrin do Cateté colhem frutos de uma trajetória marcada pela luta, pela resistência e por alianças construídas com base na confiança. Os avanços na organização comunitária, na autonomia das aldeias e na valorização da identidade cultural são evidentes — e têm raízes profundas em relações como as que Venâncio ajudou a construir.

Antônio Venâncio se aposentou em 2015, após 37 anos e 5 meses de serviços prestados à mineradora Vale. Uma trajetória de lutas, aprendizados e contribuições que deixaram marcas profundas na história da região. Atualmente, vive em São Luís, capital do Maranhão, mas guarda um carinho imenso pelo sudeste do Pará e, sempre que pode, retorna para visitar os amigos que aqui deixou — e que nunca o esqueceram.

Geólogo Breno Santos, Cacique Karangré Xicrin e Venâncio

Neste 19 de abril, homenageamos não apenas os povos indígenas — protagonistas da própria história —, mas também aqueles que caminharam com eles com respeito e espírito de parceria.

Redação CKS online

Uma resposta

  1. Venâncio, homem bom.
    Se chefe de Venâncio mandar Venâncio embora, Venâncio chama índio.

    Frase dita pelos Xikrins durante uma manifestacão.

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