Medo e incerteza na Região de Carajás: Moradores próximos a barragens da Vale temem abalos sísmicos

"Embora a atividade sísmica no Brasil seja geralmente de baixa intensidade, o monitoramento constante é essencial para avaliar os riscos que esses tremores podem representar a esses empreendimentos", alerta o sismólogo Gilberto Leite, do Observatório Nacional.

Nesta quinta-feira (24), faz 21 dias que foi sentido o mais forte terremoto já registrado em Parauapebas, segundo o Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP). O chão tremeu e o medo se instalou na Região de Carajás, no sudeste do Pará, com um abalo sísmico de magnitude 4,3 registrado em 3 de abril, no município e sentido até em áreas do projeto Salobo, da Vale, em Marabá. O tremor reacendeu a apreensão de moradores que vivem próximos às barragens de rejeito da mineradora e deixou a população com medo de consequências mais graves.

“Era por volta das 4 horas da manhã, eu tava acordado. De repente, escutei um barulho e vi a janela do meu quarto tremendo. Parecia que a janela tava viva, se mexendo sozinha. Eu fiquei assustado, chamei minha esposa na mesma hora. A gente ficou ali, sem entender nada, olhando pra janela tremendo daquele jeito. Foi um susto grande, um desespero mesmo”, descreveu com apreensão o comerciante Raimundo Leonilso Souza, 53 anos, conhecido como Léo, que é morador da APA do Gelado, em Parauapebas.

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Raimundo Leonilso Souza, Seu Léo – morador da APA do Gelado

Depois, em conversas com vizinhos, que também sentiram o tremor, Souza soube que tratavasse de um abalo sísmico. “Eu moro aqui na APA do Gelado há 22 anos. Nunca tinha sentido nada parecido. Foi a primeira vez que passei por uma situação dessa”, relatou.

A comerciante Janaina Rolim, 35 anos, moradora da Vila Paulo Fonteles, relatou que sentiu um tremor “muito forte” que balançou tudo em sua casa. “Acordamos no susto, sem entender o que estava acontecendo”, contou, admitindo que o medo tomou conta dela e de sua família, especialmente pela proximidade da barragem da Vale. “Isso deixou a gente com muito medo, principalmente por causa da barragem da Vale, que fica a poucos quilômetros daqui”, confessou Janaina, expondo a principal preocupação que assola a comunidade: a segurança das estruturas da mineradora diante das atividades sísmicas, que estão cada vez mais comuns na região.

Este ano já foram registrados quatro tremores em Parauapebas e um em Canãa dos Carajás.

Causas e riscos de tremores em área de mineração

Em entrevista exclusiva concedida ao CKS Online, o sismólogo do Observatório Nacional, órgão responsável pela Rede Sismográfica Brasileira (RSBR), Gilberto Leite, explicou que, embora o Brasil esteja situado no centro da placa Sul-Americana, uma área geologicamente mais estável, os tremores de terra não são totalmente incomuns. Segundo o especialista, esses eventos geralmente ocorrem devido ao movimento de falhas geológicas, zonas de fragilidade na crosta terrestre que acumulam tensão e a liberam em forma de terremotos.

Gilberto Leite – sismólogo do Observatório Nacional

Sobre os riscos de um tremor de magnitude 4,3, Leite pondera que os efeitos variam dependendo de fatores como a distância do epicentro, a profundidade e as condições das construções. “Se as construções civis estiverem dentro das normas técnicas, eventos dessa magnitude não devem gerar danos significativos”, afirmou.

No entanto, ele reconhece um risco adicional em regiões de mineração como Carajás, com a presença de barragens e estruturas industriais. “Regiões com atividade de mineração e presença de barragens e estruturas industriais exigem uma maior atenção. Embora a atividade sísmica no Brasil seja geralmente de baixa intensidade, o monitoramento constante é essencial para avaliar os riscos que esses tremores podem representar a esses empreendimentos”, alertou o sismólogo.

Ações do Legislativo em Marabá e Parauapebas

A crescente preocupação com a segurança das barragens de rejeito da Vale mobilizou o poder legislativo nos municípios impactados. Em Marabá, o presidente da Câmara Municipal, vereador Ilker Moraes Ferreira (MDB), acionou a Agência Nacional de Mineração (ANM) em Brasília logo após o tremor do dia 3 de abril. No ofício encaminhado à ANM, Ilker Moraes expressou sua apreensão com a segurança da barragem Mirim, pertencente à mina de cobre Salobo, onde trabalhadores e moradores relataram rachaduras e outros efeitos do abalo.

“É preocupante, pois estudos apontam que existe uma grande falha geológica na região, a qual especialistas chamam de Falha de Carajás”, afirmou o presidente da Câmara, destacando o aumento da atividade sísmica na região. A ação do vereador levou a ANM a encaminhar o caso com urgência à sua gerência regional no Pará.Em Parauapebas, o vereador Alex Ohana (PDT), presidente da Comissão de Mineração, Energia e Defesa do Meio Ambiente da Câmara Municipal, também cobrou da mineradora Vale informações e estudos técnicos atualizados sobre a segurança estrutural das barragens de rejeito localizadas no município. Através de um requerimento, o parlamentar manifestou sua preocupação com as chuvas e o recente tremor.

“O presente requerimento visa resguardar a segurança da população, prevenir eventuais riscos ambientais e garantir a transparência das informações sobre as condições dessas estruturas”, ressaltou Alex Ohana, solicitando relatórios técnicos, planos de contingência, informações sobre inspeções, estudos de impacto e medidas preventivas.

Incerteza e vigilância contínua

O tremor de magnitude 4,3, seguido de outros três abalos de menor intensidade em janeiro deste ano em Parauapebas, e um de 3,9 em Canaã dos Carajás no mesmo período, intensificou o receio de comunidades que convivem com a sombra das grandes estruturas de mineração. A falta de informações claras e a memória de tragédias como a de Brumadinho (MG) alimentam a insegurança e a demanda por maior transparência e diálogo por parte da mineradora.

O Observatório Nacional, através da Rede Sismográfica Brasileira, planeja instalar mais estações sismográficas permanentes, uma em Floriano, no Piauí, e outra em Estreito, no Maranhão, que vão melhorar a cobertura dos eventos sísmicos da região Sudeste do Pará.

Embora o risco de grandes tremores seja baixo, o sismólogo Gilberto Leite orienta a população a seguir as orientações da Defesa Civil. “No caso de um tremor de terra, recomenda-se tentar manter a calma e se proteger, isso inclui, por exemplo, se abrigar embaixo de estruturas mais resistentes e se afastar de janelas e objetos que possam cair. Deve-se também evitar usar elevadores ou sair correndo, para evitar acidentes”, explicou.

O que diz a Vale?

O CKS Online entrou em contato com a Vale e questionou a mineradora sobre a situação das barragens de rejeito da Região de Carajás e a respeito das medidas adotadas para orientar a população local em caso de risco.

Em nota enviada por sua Assessoria de Comunicação, a Vale informou que suas estruturas geotécnicas foram construídas conforme normas e parâmetros técnicos, que já consideram também estudos sismológicos. “Além disso, são realizados monitoramentos, vistorias e inspeções nas estruturas existentes, incluindo prédios e barragens, e todas estão em total normalidade”, afirma.

A mineradora ressaltou ainda que “todas as barragens da Vale no Pará possuem declaração de estabilidade positiva. As estruturas passam por inspeções rotineiras de campo, auditorias externas e são monitoradas permanentemente também pelo Centro de Monitoramento Geotécnico (CMG)”.

O CMG funciona por meio de sistema integrado com instrumentos, câmeras e acompanhamento de equipe técnica, que monitora as estruturas geotécnicas (barragens) da Vale, 24 horas por dia, durante todos os dias da semana.

Por fim, ao contrário do que disseram os moradores ouvidos pelo CKS Online, a empresa afirmou que mantém equipe dedicada para o diálogo permanente com as comunidades e, periodicamente, realiza conjunto de ações educativas de promoção da cultura de segurança sobre barragens. “Entre elas, testes de sirenes e simulados de emergência, visitas às operações e seminários orientativos, cujo objetivo é aprofundar o conhecimento das pessoas sobre medidas de segurança de barragens e as ações de prevenção”, enfatizou.

Janaína Rolim é uma das pessoas que desconhece as medidas que a Vale diz adotar. “E se um dia essa barragem estourar de madrugada, como vamos saber? Como vamos fugir? Falam que tem ponto de aviso, mas até onde isso ajuda? E se a gente estiver dormindo?”, questionou.

Redação CKS Online

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