Author picture

Herbert Viana

Doutor em Engenharia (UFRGS), Mestre em Engenharia (UFPB), graduado em Engenharia (UFCG) e Direito (UEPB), com especializações em Tecnologia Mineral (UFPA) e Gestão Empresarial (PUC-Campinas). Professor na UFRN desde 2016, com atuação em ensino, pesquisa e extensão universitária. Atualmente cursa Filosofia e Mestrado em Direito.

Author picture

Herbert Viana

Doutor em Engenharia (UFRGS), Mestre em Engenharia (UFPB), graduado em Engenharia (UFCG) e Direito (UEPB), com especializações em Tecnologia Mineral (UFPA) e Gestão Empresarial (PUC-Campinas). Professor na UFRN desde 2016, com atuação em ensino, pesquisa e extensão universitária. Atualmente cursa Filosofia e Mestrado em Direito.

Os Fundos Soberanos em Munícipios Mineradores e a Equidade Intergeracional

A exploração de recursos minerais não renováveis impõe desafios intergeracionais significativos, uma vez que a riqueza gerada pela mineração é finita e pode se esgotar em algumas décadas. Essa realidade exige que os municípios mineradores adotem políticas de longo prazo para garantir que a prosperidade econômica e a estabilidade fiscal não fiquem reféns da extração mineral. No entanto, observa-se que a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), tributo criado para compensar os impactos da atividade mineradora, tem sido utilizada predominantemente para despesas correntes, sem a devida preocupação com a sustentabilidade fiscal e econômica dessas localidades no cenário pós-mineração.

O princípio intergeracional na economia dos recursos naturais parte da premissa de que a exploração de um bem finito deve gerar benefícios para as futuras gerações. Como defendem autores como Hartwick (2017)[1] e Solow (2017)[2], a extração de um recurso não renovável deveria ser acompanhada de investimentos em capital reprodutível, garantindo que, ao fim da exploração, a economia local não entre em colapso. Edith Brown Weiss, em sua obra In Fairness to Future Generations: International Law, Common Patrimony, and Intergenerational Equity (1989)[3], e posteriormente reforçada em seu artigo Climate Change, Intergenerational Equity, and International Law, publicado na Vermont Journal of Environmental Law (2007)[4], estabelece três princípios fundamentais da equidade intergeracional: opções (conservação), qualidade e acesso. Esses princípios refletem a necessidade de garantir que as futuras gerações tenham recursos, um ambiente saudável e condições justas de desenvolvimento, equilibrando os benefícios do progresso presente com a sustentabilidade a longo prazo.

a) O princípio das opções, ou pode-se identificar como conservação, diz respeito à necessidade de garantir que as futuras gerações tenham acesso a recursos naturais essenciais para sua subsistência e desenvolvimento, ou seja, que não tenham suas opções exauridas por uma geração anterior. No caso da mineração, trata-se da exploração de bens não renováveis, cuja extração impacta diretamente as gerações futuras, que podem não ter a mesma disponibilidade de recursos minerais.

No Brasil, a gestão da CFEM deveria, em tese, seguir esse princípio, garantindo que os municípios mineradores utilizem parte da arrecadação para criar alternativas econômicas sustentáveis e assegurar a qualidade ambiental das áreas afetadas pela extração mineral. No entanto, verifica-se que grande parte da compensação arrecadada é utilizada para despesas correntes, sem planejamento de longo prazo.

A ausência de um mecanismo de preservação de recursos pode gerar um cenário de exaustão mineral, deixando os municípios vulneráveis e economicamente fragilizados. O caso de Niquelândia (GO) ilustra bem essa questão: por décadas, a cidade foi altamente dependente da extração do níquel, mas a ausência de uma política de diversificação econômica deixou o município em risco de colapso com a iminente redução representativa das suas reservas minerais.

Em janeiro de 2016, a Votorantim Metais encerrou suas operações na região, resultando na eliminação de aproximadamente 2.000 postos de trabalho diretos e indiretos. Esse evento levou ao fechamento de diversos estabelecimentos comerciais e a uma considerável migração de moradores[5]. Dados do Censo de 2022 (IBGE, 2022)[6] indicam que a população de Niquelândia diminuiu de 45.913[7] para 34.964 habitantes uma redução de 23,8% entre 2017 e 2022. Mais recentemente, em maio de 2024, a Anglo American anunciou uma reestruturação global (Diário de Goiás, 2024)[8], incluindo a possível venda ou paralisação temporária de suas operações de níquel em Niquelândia e Barro Alto. Embora nenhuma decisão final tenha sido tomada, a notícia gerou apreensão entre os moradores, que temem uma repetição dos impactos econômicos e sociais vivenciados anteriormente.

b) O princípio da qualidade significa garantir que a qualidade do equilíbrio do meio ambiente é compatível entre as gerações, deve-se garantir que as futuras gerações tenham condições ambientais, econômicas e sociais adequadas para prosperar. A mineração, se não for bem gerida, pode deixar passivos ambientais e econômicos que comprometem a qualidade de vida das populações futuras. Além da exaustão mineral, municípios mineradores podem enfrentar desafios como contaminação do solo e das águas, degradação ambiental e desemprego estrutural quando as minas se tornam economicamente inviáveis.

c) O princípio do acesso significa que não haja discriminação entre gerações no acesso a terra e seus recursos. Esse princípio leva ao problema da distribuição que se refere à necessidade de garantir uma distribuição justa e equitativa dos benefícios oriundos da exploração mineral entre as gerações.

Dentro do contexto da discussão deste artigo alusivo a CFEM, significa que os recursos da Compensação deveriam ser utilizados não apenas para atender às necessidades da geração atual, mas também para investimentos estratégicos que beneficiem as futuras gerações. No entanto, observa-se que grande parte dos municípios mineradores direciona 100% da arrecadação da CFEM para despesas de curto prazo, sem reservas ou estratégias de diversificação econômica. A Lei nº 13.540/2017 tentou corrigir parcialmente essa questão ao ampliar a repartição da CFEM para municípios afetados pela mineração, mas o problema persiste, pois o uso do recurso continua sendo predominantemente voltado para despesas imediatas, sem planejamento intergeracional.

Diferentemente de recursos renováveis, que podem ser manejados para garantir sua continuidade, os bens minerais são finitos. Assim, a ausência de políticas de sustentabilidade econômica pode resultar em cenários de crise fiscal e desemprego quando a atividade mineral declina. Exemplos emblemáticos dessa trajetória incluem cidades como Niquelândia (GO), Itabira (MG) e Parauapebas (PA), que enfrentam desafios na diversificação de suas economias.

A legislação atual permite que os municípios apliquem os recursos do CFEM em diferentes áreas, desde infraestrutura até investimentos em educação e saúde. No entanto, o uso quase exclusivo desses recursos para despesas correntes tem sido alvo de críticas, pois compromete a sustentabilidade financeira dessas localidades. Sem políticas eficazes de poupança e reinvestimento, a diminuição da arrecadação devido à exaustão mineral pode resultar em desequilíbrios fiscais severos, com impacto direto na prestação de serviços públicos essenciais.

Experiências internacionais demonstram que a falta de planejamento e o respeito aos princípios intergeracionais elencados por Weiss pode levar a um ciclo de declínio econômico. Nos Estados Unidos, a cidade de Butte, Montana, que já foi um dos maiores pólos      mineradores de cobre, viu sua economia colapsar quando a exploração mineral entrou em declínio e vem buscando recuperar suas áreas degradas a custos arcados pela atual geração (The New York Time, 2018)[9]. No Brasil, municípios altamente dependentes da mineração, como Niquelândia (GO), enfrentam desafios semelhantes.

A falta de planejamento para a transição econômica é agravada pela cultura de uso do CFEM como fonte de financiamento para despesas imediatas, sem a criação de fundos estruturantes. Dessa forma, ao invés de servirem como um instrumento de transformação econômica, os royalties acabam reforçando a dependência da mineração.

Uma solução adotada em países com grande dependência da exploração de recursos naturais é a criação de fundos soberanos, que têm o objetivo de poupar parte da receita da mineração para garantir o equilíbrio fiscal futuro. Modelos bem-sucedidos incluem o Fundo de Pensão do Governo da Noruega, que utiliza os royalties do petróleo para garantir a sustentabilidade      econômica de longo prazo. Esses fundos não apenas protegem contra crises econômicas futuras, mas também financiam a diversificação da economia.

No Brasil, a experiência mais relevante de um fundo soberano municipal vem de Niterói (RJ), que, apesar de não ser um município minerador, recebe royalties do petróleo devido à sua localização. Em 2019, a cidade implementou o Fundo de Equalização da Receita (FER)[10], que funciona como um mecanismo de poupança de longo prazo que recebe 10% dos royalties do petróleo. O FER já acumulou em 2024 mais de R$ 1 bilhão em ativos e se consolidou como um instrumento de estabilização financeira (O Fluminense)[11].

O sucesso do FER em Niterói demonstra que políticas fiscais responsáveis podem garantir sustentabilidade econômica, mesmo quando há forte dependência de um setor extrativo. A experiência pode servir de modelo para municípios mineradores, que poderiam destinar uma parcela da CFEM para um fundo de desenvolvimento sustentável, garantindo recursos para o futuro.

A criação de fundos soberanos municipais baseados na arrecadação da CFEM representa uma alternativa viável para garantir a sustentabilidade econômica dos municípios mineradores. A experiência de Niterói evidencia que essa estratégia pode ser bem-sucedida no contexto brasileiro, reduzindo a vulnerabilidade das administrações públicas e permitindo um planejamento econômico mais estruturado.

O atual modelo de uso da CFEM, baseado no financiamento de despesas correntes, compromete o futuro das cidades mineradoras. A transição para um modelo que inclua poupança intergeracional e investimentos em diversificação econômica é essencial para evitar que esses municípios se tornem cidades fantasmas após a exaustão mineral.

A adoção de um marco regulatório que exija a destinação de parte do CFEM para fundos de desenvolvimento poderia representar um avanço significativo na governança dos recursos minerais no Brasil. Dessa forma, os benefícios da mineração poderiam transcender gerações, garantindo prosperidade não apenas no presente, mas também no futuro.


[1] HARTWICK, JOHN M. Intergenerational equity and the investing of rents from exhaustible resources. In: The economics of sustainability. Routledge, 2017. p. 63-65.

[2] SOLOW, ROBERT M. Intergenerational Equity and Exhaustible Resources 1, 2. In: The Economics of Sustainability. Routledge, 2017. p. 45-61.

[3] WEISS, EDITH BROWN. In Fairness to Future Generations: International Law, Common Patrimony, and Intergenerational Equity. Tokyo: United Nations University Press, 1989.

[4] WEISS, EDITH BROWN. Climate change, intergenerational equity, and international law. Vermont Journal of Environmental Law., v. 9, p. 615, 2007.

[5] O POPULAR, Um ano depois, Niquelândia sofre com o fim da mineração. 2017. Disponível em https://opopular.com.br/cidades/um-ano-depois-niquelandia-sofre-com-o-fim-da-minerac-o-1.1235422 .

[6] IBGE, 2022. Disponível em https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/go/niquelandia.html#:~:text=Niquel%C3%A2ndia%20*%209.846%2C293%20km%C2%B2%20[2023]%20*%2034.964,200.340.847%2C30%20R$%20[2023]%20*%2027.445%2C17%20R$%20[2021]

[7] CONSÓRCIO BRASIL CENTRAL, 2017. Disponível em http://www.brasilcentral.go.gov.br/amc/dgmun.php?loc_cod=521460

[8] DIÁRIO DE GOIÁS. Mineradora preocupa população de Niquelândia ao analisar paralisação da operação de níquel. 2024. Disponível em https://diariodegoias.com.br/mineradora-preocupa-populacao-de-niquelandia-ao-analisar-paralisacao-da-operacao-de-niquel/436511

[9] THE NEW YORK TIMES, 2018. Disponível em https://gauchazh.clicrbs.com.br/ambiente/noticia/2018/07/em-montana-a-dificil-tarefa-de-despoluir-uma-antiga-area-de-mineracao-cjj4i6k880lc901qowxhry947.html

[10] O Fundo de Equalização da Receita (FER) foi criado por meio do art. 149-A da Lei Orgânica do Município de Niterói com a      redação acrescida pela emenda nº 41/2019, e regulamentado pelo Decreto nº 13.215/2019 e pela Lei nº 3.633 de 15 de setembro de 2021.

[11] O FLUMINENSE. Niterói ganha R$ 1 Bi com boa gestão dos Royalties. 2024. Disponível em https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi/2024/02/1271485-niteroi-ganha-rs-1-bi-com-boa-gestao-dos-royalties.html#:~:text=Compartilhe!,futura%20diante%20da%20explora%C3%A7%C3%A3o%20petrol%C3%ADfera

Deixe o seu comentário

6

Posts relacionados

plugins premium WordPress