Em uma reportagem especial da BBC News, a empresa de comunicação britânica lança luz sobre o crescente encarecimento do açaí no Pará, um alimento básico para a população local, mas que se torna cada vez mais um luxo. A matéria destaca a peculiaridade do consumo do açaí na região, onde ele é o “arroz com feijão” do paraense, contrastando com a forma como a fruta é apreciada em outras partes do Brasil e do mundo, geralmente como uma sobremesa ou pré-treino. A situação gera preocupação e afeta diretamente a dieta e a economia de milhares de trabalhadores envolvidos na cadeia produtiva.
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A expectativa do governador do Pará, Helder Barbalho, de desfrutar uma tigela de açaí com o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante a COP30 em Belém, em novembro próximo, ressalta a importância cultural e gastronômica da fruta. No entanto, enquanto os cardápios dentro dos muros da conferência internacional prometem fartura do fruto amazônico, a realidade fora do evento é bem diferente. Os moradores de Belém enfrentam uma escalada sem precedentes nos preços, que impacta severamente o cotidiano e a acessibilidade a esse alimento essencial.
Dados do Dieese-Pará revelam um aumento alarmante: nos primeiros quatro meses do ano, o preço do açaí tipo grosso, o mais valorizado, subiu 56%, saindo de R$ 35,67 por litro para R$ 52,10. Embora uma alta seja esperada durante a entressafra, que ocorre na época mais chuvosa da Amazônia, a magnitude desse aumento é atípica. A comparação com anos anteriores é ainda mais preocupante, com um crescimento de 27,6% em relação a abril de 2023, evidenciando uma tendência de encarecimento que não se justifica apenas pela sazonalidade.
Profissionais como Paulo Tenório, batedor artesanal de açaí há 12 anos, testemunham a crise de perto. Ele nunca viu o preço do produto atingir patamares tão elevados, o que o forçou a fechar temporariamente seu negócio e buscar sustento como motorista de aplicativo. A renda de Tenório diminuiu em 40%, levando-o a medidas drásticas, como enviar o filho para morar com a avó. A luta para manter o açaí na dieta é tão real que muitos consumidores, para driblar os altos custos, têm recorrido à “churamba” ou “chula”, a água residual do processo de extração da polpa, misturando-a ao açaí para render mais, embora isso comprometa a qualidade e o valor nutricional.
Pesquisadores e especialistas da cadeia produtiva apontam que as mudanças climáticas e o fenômeno El Niño são fatores cruciais que agravam a situação. O açaizeiro, nativo de áreas de várzea e dependente de um equilíbrio hídrico preciso, tem sofrido com secas prolongadas que encurtam a safra e diminuem a produtividade. Nathiel Moraes, diretor de pesquisas do Instituto Açaí é Nosso, explica que as secas afetaram diretamente a produção. Além disso, o aumento da demanda global pela fruta, impulsionado por seu reconhecimento como alimento saudável e energético, incentiva o cultivo em larga escala e a exportação, desviando parte da produção que antes abasteceria o mercado local.
A solução para os batedores artesanais poderia ser o congelamento do açaí para garantir oferta na entressafra e estabilizar preços. No entanto, barreiras sanitárias e o veto governamental a uma lei que permitiria essa prática impedem a medida. Enquanto o governo paraense busca alternativas e dialoga sobre o projeto PRÓ-AÇAÍ para capacitar produtores, a incerteza paira sobre os pequenos comerciantes e a população de Belém, que teme a perda de seus trabalhos para grandes fábricas exportadoras e a crescente dificuldade de ter o açaí, um pilar de sua cultura alimentar, em suas mesas.
Veja abaixo o vídeo produzido pela BBC: